As origens do Dia de Portugal, de Camões e das Comunidades na perspectiva de Conceição Meireles, especialista em História Contemporânea de Portugal.
Após a Implantação da República, a 5 de Outubro de 1910, foram desenvolvidos trabalhos legislativos, “e logo em 12 de Outubro saiu um decreto que estipulou os feriados nacionais”. Alguns feriados “desapareceram, nomeadamente os ditos feriados religiosos, uma vez que o objectivo da República era justamente laicizar a sociedade e subtraí-la à influência da igreja”, explica Conceição Meireles, professora de História Contemporânea na Faculdade de Letras da Universidade do Porto.
“Os feriados que ficaram consignados por este decreto de 12 de Outubro de 1910 foram o Primeiro de Janeiro, que era o dia da Fraternidade Universal; o 31 de Janeiro, que evocava a revolução – aliás, falhada - do Porto, e que portanto era consagrado aos mártires da República; o 5 de Outubro, vocacionado para louvar os heróis da República; o Primeiro de Dezembro, que era o Dia da Autonomia e o Dia da Bandeira; e o 25 de Dezembro, que passou a ser considerado o Dia da Família, tentando também laicizar essa festa religiosa que era o Natal”.
O decreto de 12 de Junho dava “aos municípios e concelhos a possibilidade de escolherem um dia do ano que representasse as suas festas tradicionais e municipais. Daí a origem dos feriados municipais”, lembra a especialista. “Lisboa escolheu para feriado municipal o 10 de Junho, em honra de Camões”, uma vez que a data é apontada como sendo a da morte do poeta que escreveu “Os Lusíadas”.
E porquê um dia em honra de Camões?“Camões representava justamente o génio da pátria, representava Portugal na sua dimensão mais esplendorosa e mais genial”. Era essencialmente este o significado que os republicanos atribuíam ao 10 de Junho, isto “apesar de ser um feriado exclusivamente municipal no tempo da República”, lembra Conceição Meireles.
Com o 10 de Junho, “os republicanos de Lisboa tentaram evocar a jornada gloriosa que tinham sido as comemorações camonianas de 1880, uma das primeiras manifestações das massas republicanas em plena monarquia”.
A três dias do Santo António...O 10 de Junho “fica muito próximo da festa religiosa que é o 13 de Junho, ou seja, o dia de Santo António, essa sim tradicionalmente feita e realizada em Lisboa”. Conceição Meireles refere que, com essa proximidade de datas, “os Republicanos tentaram de certa forma esbater o 13 de Junho, Dia de Santo António, em favor do 10 de Junho, Dia de Camões”.
O 10 de Junho no Estado Novo“O 10 de Junho começou a ser particularmente exaltado com o Estado Novo”, um regime instituído em Portugal em 1933, sob a direcção de António de Oliveira Salazar. É nesta altura que o dia de Camões passa a ser festejado a nível nacional. A generalização dessas comemorações deve-se bastante à reprodução que vai sendo feita “através dos meios de comunicação social”, explica Conceição Meireles.
“Durante o Estado Novo, o 10 de Junho continuava a ser o Dia de Camões”. O regime procurou dar alguma continuidade “a muitos aspectos que vinham da República”. Ou seja, “apropriou-se de determinados heróis da República, mas não no sentido positivista, não no sentido laico que os Republicanos lhe queriam dar”. O Estado Novo ampliou alguns desses aspectos “num sentido nacionalista e de comemoração colectiva histórica, numa vertente comemorativista e propagandística”.
Ana Correia Costa