02 junho 2004

Ainda a Casa Pia...

André, em primeiro lugar dou-te os parabéns pela frontalidade com que falas de um caso que é polémico! Em relação ao ‘so called’ Processo Casa Pia, todos temos opiniões mas todos pensamos duas vezes antes de falar do caso. Seja porque é complexo; seja porque respeitamos a Justiça e as instituições; seja porque não estamos para puxar muito pela cabeça; whatever!

Em relação a este caso, não gostaria de me pronunciar sobre o conteúdo das sentenças ou o mérito das decisões, porque aprendi, ao longo dos últimos 5 anos, que sobre o processo fala-se no Processo! E para comentar ou glosar uma sentença é preciso conhece-la; saber quais os factos; dominar todo o processo!

O que estamos a assistir, pelo contrário, é a negação de tudo isto! Advogados que dão entrevistas, peças processuais reproduzidas ou citadas nos media, juizes que falam do processo como se estivessem a comentar o último filme que viram, etc... Assim a justiça não pode funcionar! O lugar para ser feita justiça é o Tribunal e não as páginas do 24 horas! As provas são apreciadas pelos magistrados e não pela opinião pública; a sentença é pronunciada pelo Juiz e não pelo Tribunal mediático!!!!!

De todo o modo, o que motiva este meu comentário ao que dizes, é a forma como terminas o teu texto, e cito: «e não se faça aquilo que o belíssimo Mandamento nos aconselha "Não levantar falsos testemunhos». Parece-me vir este comentário a propósito dos arguidos que estiveram em prisão preventiva e relativamente aos quais foi entretanto alterada a medida de coacção ou que nem sequer vieram a ser pronunciados.

Sem querer fazer aqui a apologia da Prisão Preventiva, e muito menos do seu regime e (ab)uso, gostaria de esclarecer que para que uma pessoa seja sujeita a mais grave medida de coacção, todas as outras têm que se mostrar inadequadas ou insuficientes, têm que existir indícios muito fortes da prática de um crime punível com pena de prisão de máximo superior a três anos, para além de ter que se verificar um dos três requisitos:
1. Fuga ou perigo de fuga;
2. Perigo de perturbação do decurso do inquérito ou da instrução do processo e, nomeadamente, perigo para a aquisição, conservação ou veracidade da prova; ou
3. Perigo, em razão da natureza e das circunstâncias do crime ou da personalidade do arguido, de perturbação da ordem e da tranquilidade públicas ou de continuação da actividade criminosa.

A acrescer a todos estes requisitos, tem o juiz que ter sempre em conta o respeito pelos princípios da legalidade, adequação e proporcionalidade!

Assim sendo, a Prisão Preventiva nunca é decretada de ânimo leve, à laia de ‘falso testemunho’! Até porque, mesmo em prisão preventiva, o arguido mantêm sempre a presunção de inocência (pelo menos teoricamente!)...

A discussão interessante será, pois, em torno da aplicação que se faz da prisão preventiva no caso concreto, da sua compatibilização com o Segredo de Justiça, com a Protecção da Investigação e com as garantias do arguido, sobretudo, a presunção de inocência! Tudo isto é posto em causa com a mediatização da justiça e impõe-se que todo o esquema do nosso Processo Penal seja repensado de modo a conjugar todos estes valores, todos com consagração constitucional, às vezes tão difíceis de conciliar!

Ficará para outro dia um texto sobre, o Segredo de Justiça, tema de que gosto muito e sobre o qual já penso há bastante tempo, até por motivos académicos!

BSC