A Pergunta do Sócrates
«Concorda com a Carta de Direitos Fundamentais, a regra das votações por maioria qualificada e o novo quadro institucional da União Europeia, nos termos constantes da Constituição para a Europa?»
Já andava a alinhavar umas linhas sobre o Referendo ao Tratado Constitucional há uns dias. Mas, no meio da sempre emocionante vida de uma advogada estagiária, não consegui sentar-me, 'quelques minutes', para escrever sobre o tema!
Hoje, desforro-me!
Em primeiro lugar, acho que devo partilhar com os leitores qual foi a minha primeira reacção à pergunta escolhida e aprovada pelos senhores deputados: um estridente ataque de riso!
E porquê????
Porque imaginei o Zé de Terras de Bouro e a Maria de Pulo do Lobo, a olhar para o boletim de voto e a pensar o que aquilo quereria dizer e o que seria suposto responderem!
Imaginem o mesmo e verão se não começam a rir sem parar (para não chorar, entenda-se!).
Voltando à pergunta, dizem-me que ela foi escrita pelo punho (que imagem tão bonita que eu criei!) do Sócrates himself! Pois tenho que lhe reconhecer o talento com a pena... devia dedicar-se a escrever versos... ou, pelo menos, contos! Uma coisa é certa, para perguntas de referendos o rapaz não leva jeito... e é uma pena este talento da metáfora, da sinédoque e do pleonasmo desperdiçado em questões tão prosaicas!
Quando finalmente consegui parar de rir, comecei a olhar para a pergunta e decidi decompô-la nas suas componentes lógicas:
1. Será que sou, ou não, a favor da Carta dos Direitos Fundamentais (C.D.F.)? Não sei bem... na verdade ela pouco acrescenta ao nosso catálogo de direitos, liberdades e garantias (C.R.P., para os amigos). Será que nos faz falta? Será que tenho que votar favoravelmente ao Tratado Constitucional por causa da C.D.F.? Não me parace... até porque tal coisa já se aplica e ainda não existe Tratado Constitucional. Mas, respondendo sem subterfúgios, claro que concordo com a CDF!
2. Será que sou, ou não, a favor da Regra de Votações por Maioria Qualificada (RVMQ)? Oh meus amigos, assim à 'queima-roupa' é difícil dizer! Claro que a unanimidade, até agora exigida para muitas matérias, protegia melhor os pequenos Estados, mas teima em lembrar-me o subconsciente que a Democracia é o respeito pela vontade das maiorias. Será por isso a RVMQ uma coisa má em si mesma? Não! Eu não posso ser, por princípio, contra a RVMQ caso contrário seria, por princípio, contra a democracia! O que estes queridos que escreveram a pergunta não nos dizem é que tudo foi conchavado para que a RVMQ se transforme na tirania dos grandes (por causa do número dos votos, do peso relativo e demais truques que estragam o bonito embrulho democrático!). Não obstante tudo isto, que mais posso dizer para além do facto de que concordo com a RVMQ???
3. Será que sou, ou não, a favor do novo quadro institucional da União Europeia (NQIUE)? Mas, esperem um minuto, há um novo quadro institucional? Que eu saiba as 'instituições' são basicamente as mesmas: Conselho de Ministros; Comissão; Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça, com uma alteração de pormenor que consagra o Conselho Europeu como Instituição de Pleno Direito, mas isso pouca ou nenhuma relevância tem na medida em que as suas funções se mantêm. O que mudou, de relevante, a nível institucional? Nada! Por isso de onde vem esta estranha pergunta? Ah! Estes malandrecos, sempre prontos a enganar o incauto! Não é sobre o NQIUE que eles nos querem perguntar, mas sobre as relações entre as várias instituições, o peso dos Estados em cada uma delas, o fim dos processos de co-decisão, o fim das Presidências rotativas e da regra um Estado-Membro um comissário! Mas, efectivamente não é isso que é perguntado e, como tal, face à pergunta eu tenho que dizer que concordo com o NQIUE!
Posto isto, reconheço que a pergunta está bem engendrada! Eu posso não ser favorável à existência de um Tratado Constitucional para a União Europeia que dá passos maiores que as pernas; que põe fim ao processo de co-decisão; que introduz novas regras de votações que permitem que os grandes controlem o que quiserem e, ainda assim, concordar com tudo o que é perguntado. Isto porque esta pergunta só não nos fala de gelados e dias de sol... de resto pergunta-nos tudo menos se concordamos com este texto do Tratado Constitucional!
Já andava a alinhavar umas linhas sobre o Referendo ao Tratado Constitucional há uns dias. Mas, no meio da sempre emocionante vida de uma advogada estagiária, não consegui sentar-me, 'quelques minutes', para escrever sobre o tema!
Hoje, desforro-me!
Em primeiro lugar, acho que devo partilhar com os leitores qual foi a minha primeira reacção à pergunta escolhida e aprovada pelos senhores deputados: um estridente ataque de riso!
E porquê????
Porque imaginei o Zé de Terras de Bouro e a Maria de Pulo do Lobo, a olhar para o boletim de voto e a pensar o que aquilo quereria dizer e o que seria suposto responderem!
Imaginem o mesmo e verão se não começam a rir sem parar (para não chorar, entenda-se!).
Voltando à pergunta, dizem-me que ela foi escrita pelo punho (que imagem tão bonita que eu criei!) do Sócrates himself! Pois tenho que lhe reconhecer o talento com a pena... devia dedicar-se a escrever versos... ou, pelo menos, contos! Uma coisa é certa, para perguntas de referendos o rapaz não leva jeito... e é uma pena este talento da metáfora, da sinédoque e do pleonasmo desperdiçado em questões tão prosaicas!
Quando finalmente consegui parar de rir, comecei a olhar para a pergunta e decidi decompô-la nas suas componentes lógicas:
1. Será que sou, ou não, a favor da Carta dos Direitos Fundamentais (C.D.F.)? Não sei bem... na verdade ela pouco acrescenta ao nosso catálogo de direitos, liberdades e garantias (C.R.P., para os amigos). Será que nos faz falta? Será que tenho que votar favoravelmente ao Tratado Constitucional por causa da C.D.F.? Não me parace... até porque tal coisa já se aplica e ainda não existe Tratado Constitucional. Mas, respondendo sem subterfúgios, claro que concordo com a CDF!
2. Será que sou, ou não, a favor da Regra de Votações por Maioria Qualificada (RVMQ)? Oh meus amigos, assim à 'queima-roupa' é difícil dizer! Claro que a unanimidade, até agora exigida para muitas matérias, protegia melhor os pequenos Estados, mas teima em lembrar-me o subconsciente que a Democracia é o respeito pela vontade das maiorias. Será por isso a RVMQ uma coisa má em si mesma? Não! Eu não posso ser, por princípio, contra a RVMQ caso contrário seria, por princípio, contra a democracia! O que estes queridos que escreveram a pergunta não nos dizem é que tudo foi conchavado para que a RVMQ se transforme na tirania dos grandes (por causa do número dos votos, do peso relativo e demais truques que estragam o bonito embrulho democrático!). Não obstante tudo isto, que mais posso dizer para além do facto de que concordo com a RVMQ???
3. Será que sou, ou não, a favor do novo quadro institucional da União Europeia (NQIUE)? Mas, esperem um minuto, há um novo quadro institucional? Que eu saiba as 'instituições' são basicamente as mesmas: Conselho de Ministros; Comissão; Parlamento Europeu e Tribunal de Justiça, com uma alteração de pormenor que consagra o Conselho Europeu como Instituição de Pleno Direito, mas isso pouca ou nenhuma relevância tem na medida em que as suas funções se mantêm. O que mudou, de relevante, a nível institucional? Nada! Por isso de onde vem esta estranha pergunta? Ah! Estes malandrecos, sempre prontos a enganar o incauto! Não é sobre o NQIUE que eles nos querem perguntar, mas sobre as relações entre as várias instituições, o peso dos Estados em cada uma delas, o fim dos processos de co-decisão, o fim das Presidências rotativas e da regra um Estado-Membro um comissário! Mas, efectivamente não é isso que é perguntado e, como tal, face à pergunta eu tenho que dizer que concordo com o NQIUE!
Posto isto, reconheço que a pergunta está bem engendrada! Eu posso não ser favorável à existência de um Tratado Constitucional para a União Europeia que dá passos maiores que as pernas; que põe fim ao processo de co-decisão; que introduz novas regras de votações que permitem que os grandes controlem o que quiserem e, ainda assim, concordar com tudo o que é perguntado. Isto porque esta pergunta só não nos fala de gelados e dias de sol... de resto pergunta-nos tudo menos se concordamos com este texto do Tratado Constitucional!
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