20 setembro 2006

O Discurso da Polémica

Excertos do discurso do Papa na Universidade de Ratisbona

(...) Este profundo sentido de coerência no universo da razão não foi perturbado nem mesmo quando se soube que um colega tinha dito que havia algo estranho com a nossa universidade: duas faculdades que se ocupavam de uma coisa que não existia - Deus. Mesmo perante um cepticismo tão radical, continua a ser necessário e razoável colocar a questão de Deus através do uso da razão, e fazê-lo no contexto da tradição da fé cristã: isto, dentro da universidade como um todo, era aceite sem discussão.

(...) li a parte editada pelo professor Theodore Khoury (Münster) do diálogo que o douto imperador Bizantino Manuel II Paleólogo (...) teve com um persa culto sobre cristianismo e islão e sobre a verdade de ambas as religiões. (...) Gostaria de abordar apenas um ponto - marginal, neste diálogo - que me cativou, relacionado com o tema da fé e da razão (...)

Na sétima controvérsia (...), o imperador aborda o tema do "jihad" (a guerra santa). O imperador deveria saber que a sura 2-256 diz: "Não há nenhum constrangimento em matéria de fé." Segundo os especialistas, é uma das primeiras suras, datando da época em que Maomé estava ainda sem poder e ameaçado. Mas o imperador conhecia também naturalmente os mandamentos sobre a guerra santa contidos (...) no Alcorão. Sem se deter nos detalhes, como a diferença de tratamento entre "crentes" e "infiéis", ele coloca ao seu interlocutor, de um modo surpreendentemente abrupto para nós, a questão central da relação entre religião e violência.

Ele diz: "Mostra-me então o que Maomé trouxe de novo. Não encontrarás senão coisas demoníacas e desumanas, tal como o mandamento de difundir pela espada a fé que ele pregava."

O imperador (...) explicou depois por que é absurdo difundir a fé pela violência. Uma tal violência é contrária à natureza de Deus e à natureza da alma: "Deus", disse ele, "não gosta do sangue e agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus. A fé é fruto da alma e não do corpo. Aquele que quer levar alguém à fé deve ser capaz de falar bem e pensar justamente sem violência nem ameaças. Para convencer uma alma razoável não temos necessidade do seu braço, nem de armas, nem de nenhum meio pelo qual podemos ameaçar qualquer um de morte..."

A frase decisiva nesta argumentação contra a conversão pela violência é: "Agir de modo irracional é contrário à natureza de Deus." O editor, Theodore Khoury, observa: "Para o imperador, um bizantino educado na filosofia grega, esta posição é evidente. Ao contrário, para a doutrina muçulmana, Deus é absolutamente transcendente. A sua vontade não está ligada a nenhuma das nossas categorias, nem mesmo a da razão." Khoury cita um trabalho do islamólogo francês [Roger] Arnaldez [que morreu em Abril], que sublinha que Ibn Hazn foi ao ponto de explicar que Deus não está sequer ligado à sua própria palavra e que nada o obrigaria a revelar-nos a sua verdade. (...)

Será a convicção de que agir irracionalmente contradiz a natureza de Deus uma mera ideia grega, ou será ela sempre e intrinsecamente verdadeira? Creio que aqui podemos ver a profunda harmonia entre o que é grego no melhor sentido da palavra e o entendimento bíblico da fé em Deus. (...)

[Na teologia cristã da Idade Média, com Duns Escoto] aparecem posições que se aproximam às de Ibn Hazn e poderiam levar à imagem de um Deus caprichoso, que não está sequer ligado à verdade e ao bem. (...)

"Não agir racionalmente, não agir com o logos, é contrário à natureza de Deus", disse Manuel II (...). É a este grande logos, a esta amplitude da razão que convidamos os nossos parceiros no diálogo de culturas. Redescobri-la constantemente é o grande desafio da universidade.