30 agosto 2004

Ao Nuno

Meu caro Nuno, não poderia estar mais de acordo contigo. É verdadeiramente escandaloso que haja gente capaz de fazer negócio à custa da tragédia alheia. Mas esse 'negócio' é em grande medida fruto da lei que temos! Quanto ao julgamento das mulheres concordo contigo. Há que repensar a lei porque o argumento de que ela não se cumpre não faz sentido! Afinal para que serve uma lei se, na realidade, não a queremos ver cabalmente cumprida (e isso implicaria condenações de mulheres pela prática do crime de aborto.)

É por isso que a proposta feita pelo Professor Freitas do Amaral faz sentido para mim. Não é uma descrimininalização (o aborto deixa de estar tipificado como crime) nem uma despenalização (o aborto torna-se legal) mas cria-se uma presunção de Estado de Necessidade Desculpante, que torna a conduta não culposa ainda que ilícita (e por isso deixa de constituir crime, no caso concreto, na medida em que o crime é o facto típico, ilícito e culposo). Naturalmente que esta presunção será ilidível (ou seja poderá ser afastada se se provar que a mulher não agiu, de facto, em estado de necessidade desculpante) e não poderá ser aplicada sem limite temporal.
É uma proposta que deve ser analisada, mas decerto que haverá outras que os juristas descubrirão na lei, sem passarem necessariamente pela liberalização do aborto, que também não estará provado que será a melhor solução para aquilo que verdadeiramente nos importa: a vida das crianças, das mães e das famílias, com dignidade, com condições e com qualidade.